19 agosto 2010

Aula 2 - O cotidiano

O cotidiano é o anti-assunto. Não nos interessa que alguém nos conte os fatos, acontecimentos e ações que se repetem diariamente em sua vida; pelo contrário, queremos saber daquilo que não acontece todos os dias, queremos saber do que não é cotidiano. Quanto mais extraordinária adivinharmos a história, maior é o interesse com que a esperamos e maior a atenção que dedicamos ao seu relato. Além disso, aquilo que chamamos cotidiano, as coisas comuns de todo dia, posto num texto, resultaria numa lista de abstrações, porque as coisas comuns de todo dia não se repetem exatamente da mesma maneira na vida da gente.
Por outro lado, poucos temas despertam tanto a nossa curiosidade quanto o cotidiano em que não nos reconhecemos, o cotidiano dos outros, daqueles que são diferentes de nós, de povos distantes, mais adiantados ou mais atrasados ou mais antigos, ou o cotidiano imaginário do futuro. Poucos relatos orais ou escritos fazem tanto sucesso quanto narrativas de viagem, que costumam mostrar a forma peculiar como os outros comem, trabalham, vestem-se, comemoram, organizam seu convívio, como, enfim, fazem as mesmas coisas que nós fazemos todos os dias.
Desse modo, o mérito de um texto sobre o cotidiano está na seleção daqueles aspectos que são, ao mesmo tempo, mais característicos (mais repetidos) e mais interessantes (menos comuns). Enfim, para escrever um bom texto sobre o seu cotidiano, é necessário que o autor, em primeiro lugar, viva um cotidiano interessante e, em segundo lugar, saiba selecionar para seu relato os aspectos que mais mobilizarão os leitores que tem em mente.
[...] Faz todo o sentido [...] dizer qual o significado que atribuímos ao cotidiano para que nossos leitores possam confrontar com o significado que a ele atribuem, ou até mesmo para que se ponham a pensar se atribuem a ele algum significado ou se se limitam a acatar o significado que já receberam pronto.
É preciso ter cuidado, no entanto, para que o texto, por não querer ficar nesse nível rasteiro dos fatos, decole direto para a estratosfera da abstração, que pode expressar um significado tão amplo que não identifica nenhum cotidiano em particular [...].
Todo o sentido faz [...] estabelecer um diálogo entre os fatos e as abstrações: relatar fatos e a eles atribuir significados, estabelecer um diálogo entre esses dois níveis, usar categorias abstratas para organizar dados concretos para exemplificar essas categorias abstratas [...].
As qualidades discursivas
Unidade temática: evita a tentação de fazer uma mera lista de acontecimentos mais comuns do seu dia a dia, levando-o a pensar em questões organizadoras para o jeito como você vive o seu cotidiano, pondo-o, consequentemente, a pensar na vida. A unidade temática parece ser, desse modo, o primeiro degrau da escada capaz de levar uma redação escolar a transformar-se em texto: sem unidade temática dificilmente um texto chegará às demais qualidades discursiva
Objetividade: é a qualidade que consiste em dar ao leitor os dados necessários para que ele entenda o texto apenas lendo o texto, que, se for objetivo, contém todos os elementos necessários ao entendimento da mensagem. A atitude necessária ao autor que quer produzir um texto com essa qualidade é a antecipação das necessidades do leitor para o entendimento do que quer que ele entenda, acredite ou faça depois de ler o texto. Para adotar tal atitude o autor precisa desprender-se de si mesmo e movimentar-se na direção de outro, pôr-se no papel dele, transformar-se em leitor de seu texto, calculando quais seriam os dados necessários para que o leitor fizesse o movimento intelectual que deseja que ele faça.
Concretude: é a qualidade que consiste em determinar para o leitor os significados com os quais se quer que ele dialogue, e a atitude necessária ao autor que quer incorporá-la ao seu texto é justamente o ânimo de produzir significado em vez de lidar com as palavras como se nada mais fosse possível acrescentar ao que parece que todo mundo pensa que elas querem dizer. Se entendermos que o sentido é sempre resultante de uma negociação entre texto e leitor, a qualidade da concretude faz com que o autor do texto participe dessa negociação, não deixando que se transforme em caridade aquela cooperação que o leitor exercita em relação ao texto que não se expressa com clareza. Na verdade, quando o leitor diz do texto confuso, vago, impreciso, sem objetividade e sem concretude que lê: é, mas dá pra entender..., esse leitor está dizendo que o texto está péssimo, pois só fazendo um grande esforço dá para atribuir algum sentido a isto aqui.
Questionamento: procura apresentar um conflito ao leitor. Deixemos o leitor curioso. Mesmo que não se apresente a resposta para a questão, deve-se equacioná-la, isto é, apresentá-la como tal ao leitor. Deve-se tornar o texto interessante para quem lê.
GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

2 comentários:

  1. Essa proposta de produção de texto foi realmente desafiadora, mas serviu-me bastante. Foi muito bom que, ao terminar de escrvê-lo, eu mesmo podia me reconhecer no texto. Espero me sair bem no próximo desafio.

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  2. auhuhaauhahu...Postei errado!!!!!!!!!!!!!

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