18 outubro 2010

Aula 7 - Dissertando

Começamos agora uma parte especial da caminhada: vamos dissertar. É hora de, nessa mescla de gêneros (contos, crônicas, desabafos...), colocar de forma mais explícita o nosso ponto de vista. Vamos comparar, analisar, classificar, enumerar... enfim, estabelecer relações, argumentar!

O primeiro texto dissertativo é baseado em uma comparação, à sua escolha:


Faça uma comparação entre duas experiências semelhantes como, por exemplo, duas experiências escolares – colégio e cursinho, colégio e faculdade – duas relações afetivas – mãe e pai, irmão e pai – duas relações de amizade, duas turmas, dois locais significativos, duas pessoas importantes para sua significação pessoal – pais, parentes, professores, amigos etc. – ou, ainda, retomando os temas já trabalhados, duas experiências de diferentes cotidianos, ou emoções fortes, situações de aprendizado e assim por diante. De preferência, procure diferenças onde parece que todos estão só enxergando semelhanças ou procure semelhanças onde parece que todos estão só enxergando diferenças.
 GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. p. 239.

07 outubro 2010

Aula 6 - Descrição de tipo de pessoa

Nesta sexta aula, o tema a ser trabalhado é a descrição de tipo de pessoa. Em vez de se concentrar nas características de uma pessoa apenas, ou de um objeto, mas de um grupo. O que esse grupo possui que marca sua especificidade, o que é próprio dele e não de outro?
Abaixo, algumas orientações que devem ser relembradas:


a)    Questionamento: determine o seu ponto de vista, oriente o seu leitor. Apresente um problema a ser equacionado no grupo de pessoas descrito.
b)   Objetividade: o leitor deve ser orientado pela voz do narrador. Apresente a descrição, o valor dado a ela e o motivo que o leva a selecionar tal dado e atribuir tal valor.
c)    Unidade temática: o tema dever ser contundente. Deve-se eliminar tudo o que não for contribuir para o efeito de sentido pretendido sobre o leitor.
d)   Concretude: apresente os fatos ao leitor. Encaminhe a leitura do abstrato ao concreto, do geral ao particular. O leitor não quer a descrição de todos os componentes do cenário, mas só daqueles indispensáveis para que entenda o que aconteceu ou vai acontecer ali.


GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. (adaptado)

30 setembro 2010

Aula 5 - Descrição de pessoa ou objeto

Mais uma proposta de texto, de acordo com as orientações de Guedes, para a próxima semana.
Se quiserem, façam a descrição dos lugares que visitamos na semana passada: Museu das Minas e dos Metais e Praça da Liberdade. Bons textos hão de vir por aí..






Instituições, coisas, ambiente, objetos, assim como figuras, isto é, personagens, ou, na verdade, pessoas, são materiais de descrição. E a descrição é aquela parte do texto que a gente pula quando lê, por exemplo, um romance do século XIX [...]. A gente já percebeu que os romances mais recentes não contêm descrições, ou, pelo menos, as suas descrições não são tão longas. Há quem diga que foram a fotografia, que vale mais do que mil palavras, e o cinema, que provocaram mudanças na descrição dentro do romance e da literatura em geral.

Vejamos um exemplo de descrição de pessoa:

Carla

Carla é um tipo especial de pessoa. Sempre alegre e expansiva, freqüentemente a chamam de “alma da festa”. Tem uma capacidade muito grande de envolver as pessoas e fazer com que se sintam bem ao seu lado. Está sempre conversando sobre qualquer coisa: nunca lha falta assunto.
É uma pessoa extremamente desorganizada e nunca consegue ser pontual. Apesar disso, as pessoas não conseguem culpá-la; ela é do tipo que “vive a vida”. [...]
Ela tem a fama de ser muito namoradeira e pouco fiel. Faz amigos com muita facilidade e acaba logo por falar coisas bem íntimas a pessoas que mal conhece. [...]

         Segundo Guedes (2002), o autor do texto descritivo tem na mão uma faca com a qual corta o seu objeto de descrição e o mostra a seu leitor. Para ele, “a pobre Carla sai retalhada em pedaços bem desiguais desta descrição: nenhum plano, nenhuma direção, nenhuma idéia geral para passar ao leitor; apenas o cumprimento de uma tarefa escolar. Descrever uma pessoa – disse o professor –, e o aluno tomou de uma faca cega chamada redação escolar e saiu golpeando a torto e a direito, obtendo um resultado em linha desordenada. [...]. Se não há unidade temática, não há mais nada, nem concretude, nem questionamento, nem objetividade”.

         Para que, para quem, como, pela ordem
         A primeira conseqüência de empunhar a faca é mudar a ordem da perguntas a respeito do texto a ser escrito. A primeira delas não pode mais ser, por exemplo, como se faz a descrição de uma pessoa?  Duas outras, pelo menos, têm de vir antes: para que descrever uma pessoa? e para quem descrever uma pessoa? A primeira pergunta pelo autor; a segunda, pelo leitor; a terceira, pelo modelo. As três, nessa ordem, compõem a faca. O texto não pode resultar em uma mera lista, incapaz de produzir conhecimento a ser compartilhado com um leitor. Ao leitor sobra ficar imaginando o que ele tem com isso.

GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

Visita ao Museu das Minas e do Metal - MMM







16 setembro 2010

Aula 4 - Relato de situação que provocou aprendizado

Sugestão de tema: A visita ao Museu das Minas e do Metal pode servir de tema para a produção deste texto. O próximo tema – descrição de pessoa, coisa ou lugar – também é opção para a escrita acerca da visita. Fica a seu critério!


         Para redigir esse texto, que implicará a narração de uma situação que tenha provocado um aprendizado, retomaremos algumas das coisas que já foram faladas em “Relato de uma emoção forte”:
a) Objetividade: Nunca é demais lembrar que objetividade é a condição para que uma narrativa escrita se constitua. Ela nasce de uma peculiar relação que o autor precisa aprender a manter consigo mesmo: a capacidade de constituir-se em narrador, de ver-se de fora, de selecionar um aspecto do seu jeito de ser para tornar-se inteligível para o leitor.
Lembre-se de que o leitor só se interessa por histórias que pode avaliar não apenas pelo que nela acontece mas também pelo fato de tal coisa ter acontecido exatamente com tal pessoa e não com outra; é necessário, portanto, que o texto apresente o seu narrador por meio de dados concretos para que o leitor possa avaliá-los por si mesmo.
         b) Unidade temática: Construa a unidade temática de sua narração a partir daquilo que caracterizamos como ânimos narrativos: de um lado, apresentando a seu leitor, que não está presente, uma história completa,
-    dando-lhe todas as informações necessárias a respeito do enredo, do cenário, do narrador e dos demais personagens, da época em que a ação se situa, para que ele possa acompanhar o relato;
-    mostrando-lhe o valor que o narrador atribui aos fatos que conta;
-    apresentando dados concretos para que ele possa não só avaliar a adequação dos julgamentos que o narrador faz a respeito dos fatos que narra, mas também fazer sua própria avaliação da história, em confronto com sua própria experiência.
De outro lado, lembre-se sempre de que tudo o que aconteceu só interessa contar aquilo que converge na direção do esclarecimento da questão que vai ser equacionada no texto; o resto, outros acontecimentos, fatos, conversas, etc, não vêm ao caso e não devem sequer ser mencionados porque não interessa se as questões são importantes em si. Interessa se elas são importantes para a narrativa; interessa sua contribuição para o entendimento da idéia central que a narrativa quer passar.
c) Concretude: Não passe contrabando para seu leitor, não jure, não apenas diga; mostre, porque o leitor não vai acreditar na sua palavra de narrador. O leitor só acredita naquilo que pode ver, ouvir, cheirar, apalpar, lamber. Se o texto quiser dar um depoimento pessoal, lembre-se de que isso implica uma reavaliação pessoal das idéias correntes a respeito da situação social em que a história se localiza e das instituições nela envolvidas quanto das atitudes correntes a respeito delas. O próprio sentido das palavras é avaliado pelo conhecimento que a gente tem a respeito de quem a está usando. Por isso é muito importante que, ao lado do nome que se dá à coisa, ao sentimento, ao valor que o texto quer mostrar, apareça o concreto exemplo, a descrição, a narrativa miúda, que mostrem o peculiar sentido que o texto atribui à palavra que designa. Não esqueça que as pessoas são péssimos personagens e os seres humanos, péssimos assuntos. Tratemos de nós, fulanos de tal específicos e concretos que compartilhamos com as demais pessoas e com os demais seres humanos concretos dessa natureza geral em que nos encontramos.
d) Questionamento: Ao selecionar a história que vai conter lembre-se de que numa narrativa que ficou em nossa memória tem um significado próprio que nós temos de descobrir, o que significa tentar escolher nela a questão mais profunda entre várias questões que ela nos coloca. Nesse sentido, relatar fracassos é geralmente mais instrutivo do que relatar vitórias, tanto para quem lê, quanto especialmente para quem tenta entender, ao organizar seu relato, as causas desse fracasso.
GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

31 agosto 2010

3l08day (Dia do Blog)

Pessoal, hoje é o Dia do Blog -

Segundo a Wikipédia, "Esta data foi escolhida porque seus números 31/08 se assemelham com a palavra Blog.
Foi estabelecido que durante esse dia, blogueiros de todo o mundo deverão colocar uma mensagem aos seus leitores, apontando para outros blogs que considerem interessantes. Assim seus leitores poderão descobrir novos blogs para serem lidos, divulgado os blogs pela internet."

Interessante como forma e conteúdo se misturam na internet!

Que tal conhecer alguns? Passear (ou navegar...) nessas páginas virtuais... Se achar algum interessante, conte pra gente!

Próxima aula: 16 de setembro!!!

26 agosto 2010

Aula 3 - Relato de experiência/emoção forte

O narrador
Assim como o autor de uma apresentação pessoal ou de um relato sobre o próprio cotidiano precisa ver-se de fora para que seja capaz de compor um quadro completo de si mesmo para o leitor, do mesmo modo o autor de relato de uma emoção forte ou de um aprendizado resultante de um acontecimento que experienciou precisa constituir-se em narrador da história que conta.
Para determinar, portanto, o que é um narrador, comecemos por aí: o narrador não é o autor, e, assim como postulamos uma unidade temática, isto é, uma redução do assunto todo a um único tema capaz de organizar um relato, precisamos também postular uma redução do autor a uma unidade narradora capaz de mostrar-se para o leitor como o mais adequado personagem para apresentar a mais interessante versão da história que conta, seja por tê-la vivido, seja por tê-la presenciado, seja ainda por ter coletado os melhores dados a respeito dela. [...]
Dar um depoimento pessoal implica, em primeiro lugar, necessariamente, uma reavaliação pessoal das ideias correntes a respeito da situação social em que a história se localiza, das instituições nela envolvidas. [...]
Para fazer tal reavaliação pessoal é necessário, de saída, superar as dificuldades pessoais de aprofundar o significado existencial da história. Essa superação só pode ser empreendida pelo exercício da objetividade, o exercício de desprender-se de si para ver-se como um personagem, como uma pessoa igual às outras e entre as outras ou, em outras palavras, constituir um narrador ou transformar o autor em narrador. [...]
O depoimento pessoal envolve uma particularização dos sentimentos experimentados e do valor atribuído às relações humanas vividas pelos personagens.
Na verdade, essa objetividade tem como pré-requisitos dois tipos de avaliação a serem feitos por quem se dispõe a contar uma história, avaliações que – é muito provável – se dão concomitantemente. O autor precisa decidir por que motivo contar esta história pode ser útil tanto para quem conta quanto para quem está convocado a ouvi-la, por que vale a pena estabelecer exatamente este novo diálogo, a que novo tipo de desejável relação ele vai levar. Essa relação que a história vai estabelecer com o leitor impõe também ao autor uma avaliação para decidir se o leitor que tem pela frente é o interlocutor que ele quer para compartilhar uma tão complicada questão. Em outras palavras, precisamos ter certeza do motivo pelo qual queremos contar exatamente esta história exatamente para estas pessoas.
Daí por diante, o autor tem de se dispor a enfrentar as dificuldades narrativas que tal história impõe. A primeira delas é a disposição de acatar o tamanho que o texto vai precisar para conter exatamente a história tal como ela precisa ser contada, isto é, para que ela se apresente como uma história inteligível, inteligente, interessante e original. A segunda, como já tratamos – complemento não contraditório desta – é enfrentar a necessária seleção do que é relevante para compor a história, seleção que começa pela renúncia a contar tudo e segue pela decisão de contar tudo o que for realmente mais importante, que é geralmente o mais complicado, o mais doloroso e o mais difícil de ser contado. Depois vai ser necessário avaliar em que a ficção, ou a livre interpretação dos fatos de se substituir, para o bem da inteligibilidade e do interesse da história, aquilo que parece ser o fato real.
As qualidades da narração
a) Objetividade: para criar o narrador que vai contar sua história em terceira pessoa ou para constituir-se no narrador que vai contá-la em primeira pessoa é indispensável que o autor desenvolva a capacidade de ver-se de fora, de selecionar um aspecto de seu jeito de ser para tornar-se inteligível para o leitor. Lembre-se que o leitor só se interessa por histórias que pode avaliar não apenas pelo que nela acontece mas também pelo fato de tal coisa ter acontecido com tal pessoa e não com outra; é necessário, portanto, que o texto apresente seu narrador por meio de dados concretos para que o leitor possa avaliá-los por si mesmo sem ser posto na constrangedora circunstância de ter de acreditar na palavra do autor.
b) Unidade temática: começa a se constituir na disposição de contar uma história, e uma história envolve um enredo, um conflito, fatos, personagens, narrador. Essa disposição tem de ser levada às últimas consequências: o autor só tem o direito de dizer algo como a emoção foi indescritível depois de ter feito uma minuciosa descrição dela, pois que, a rigor, qualquer coisa pode ser mais minuciosamente descrita do que já foi. Não se pode também ficar apenas no enredo: quem conta que numa cidade vivam duas famílias inimigas, e um dia um rapaz de uma das famílias apaixonou-se por uma moça da outra, e ela também apaixonou-se por ele, mas as famílias fizeram tanta oposição que os dois acabaram mortos, quem conta isso não está contando Romeu e Julieta; está contando o enredo sobre o qual Romeu e Julieta e tantas outras histórias se baseiam. Resumindo:
-                            dê ao leitor todas as informações necessárias a respeito do enredo, do cenário, do narrador e dos demais personagens, da época em que a ação se situa, para que ele possa acompanhar o relato;
-                            mostre-lhe o valor que o narrador atribui aos fatos que conta;
-                            apresente-lhe dados concretos para que ele possa não só avaliar a adequação dos julgamentos que o narrador faz a respeito dos fatos que narra, mas também fazer a sua própria avaliação da história, em confronto com sua própria existência.

c) Concretude: As pessoas são péssimos personagens, e os seres humanos, péssimos assuntos, pelo singelo motivo de que são criaturas sem existência concreta: são abstrações. No entanto, é exatamente sobre eles que nós contamos histórias, pelo singelo motivo de que é neles que nós nos encontramos. Eles são o único lugar onde nós podemos nos comunicar e trocar experiências. E é justamente para podermos trocar experiências que não podemos falar deles; temos de falar de nós, pessoas concretas que compartilham com as demais pessoas e com os demais seres humanos concretos dessa natureza geral onde nos encontramos. Só podemos trocar experiências se elas contiverem, ao lado dessas semelhanças fundamentais, diferenças bem claras que mostrem nossas individualidades, permitindo o trânsito de nosso aprendizado entre essa natureza geral e nosso particular caminho.
Use as palavras que mais claramente expressem as relações que o narrador e os personagens mantêm com as idéias, instituições e atitudes. Chame as coisas pelo nome que elas têm no seu dialeto, mas não se envergonhe das palavras que lhe parecerem eruditas: escrever é apropriar-se da linguagem escrita para pô-la a serviço do esclarecimento que se quer produzir. O uso que se faz da linguagem, o trabalho que realiza com ela e sobre ela – o que também leva o nome de estilo – é uma preciosa informação também a respeito do narrador.
d) Questionamento: é a própria essência da narração: se não for para contar um problema, nem vale a pena abrir a boca, ou juntar palavras num papel. O que vem ao caso é saber como se desenrola o processo, como uma questão se equaciona, como se desenvolve um conjunto de relações entre concretas pessoas que se empenham para fazer valer seus interesses em contraposição a interesses opostos ou em aliança com interesses convergente.
[...] relatar fracassos é geralmente mais instrutivo do que relatar vitórias, tanto para quem lê, quanto especialmente para quem tenta entender, ao organizar seu relato, as causas desse fracasso.


GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

19 agosto 2010

Aula 2 - O cotidiano

O cotidiano é o anti-assunto. Não nos interessa que alguém nos conte os fatos, acontecimentos e ações que se repetem diariamente em sua vida; pelo contrário, queremos saber daquilo que não acontece todos os dias, queremos saber do que não é cotidiano. Quanto mais extraordinária adivinharmos a história, maior é o interesse com que a esperamos e maior a atenção que dedicamos ao seu relato. Além disso, aquilo que chamamos cotidiano, as coisas comuns de todo dia, posto num texto, resultaria numa lista de abstrações, porque as coisas comuns de todo dia não se repetem exatamente da mesma maneira na vida da gente.
Por outro lado, poucos temas despertam tanto a nossa curiosidade quanto o cotidiano em que não nos reconhecemos, o cotidiano dos outros, daqueles que são diferentes de nós, de povos distantes, mais adiantados ou mais atrasados ou mais antigos, ou o cotidiano imaginário do futuro. Poucos relatos orais ou escritos fazem tanto sucesso quanto narrativas de viagem, que costumam mostrar a forma peculiar como os outros comem, trabalham, vestem-se, comemoram, organizam seu convívio, como, enfim, fazem as mesmas coisas que nós fazemos todos os dias.
Desse modo, o mérito de um texto sobre o cotidiano está na seleção daqueles aspectos que são, ao mesmo tempo, mais característicos (mais repetidos) e mais interessantes (menos comuns). Enfim, para escrever um bom texto sobre o seu cotidiano, é necessário que o autor, em primeiro lugar, viva um cotidiano interessante e, em segundo lugar, saiba selecionar para seu relato os aspectos que mais mobilizarão os leitores que tem em mente.
[...] Faz todo o sentido [...] dizer qual o significado que atribuímos ao cotidiano para que nossos leitores possam confrontar com o significado que a ele atribuem, ou até mesmo para que se ponham a pensar se atribuem a ele algum significado ou se se limitam a acatar o significado que já receberam pronto.
É preciso ter cuidado, no entanto, para que o texto, por não querer ficar nesse nível rasteiro dos fatos, decole direto para a estratosfera da abstração, que pode expressar um significado tão amplo que não identifica nenhum cotidiano em particular [...].
Todo o sentido faz [...] estabelecer um diálogo entre os fatos e as abstrações: relatar fatos e a eles atribuir significados, estabelecer um diálogo entre esses dois níveis, usar categorias abstratas para organizar dados concretos para exemplificar essas categorias abstratas [...].
As qualidades discursivas
Unidade temática: evita a tentação de fazer uma mera lista de acontecimentos mais comuns do seu dia a dia, levando-o a pensar em questões organizadoras para o jeito como você vive o seu cotidiano, pondo-o, consequentemente, a pensar na vida. A unidade temática parece ser, desse modo, o primeiro degrau da escada capaz de levar uma redação escolar a transformar-se em texto: sem unidade temática dificilmente um texto chegará às demais qualidades discursiva
Objetividade: é a qualidade que consiste em dar ao leitor os dados necessários para que ele entenda o texto apenas lendo o texto, que, se for objetivo, contém todos os elementos necessários ao entendimento da mensagem. A atitude necessária ao autor que quer produzir um texto com essa qualidade é a antecipação das necessidades do leitor para o entendimento do que quer que ele entenda, acredite ou faça depois de ler o texto. Para adotar tal atitude o autor precisa desprender-se de si mesmo e movimentar-se na direção de outro, pôr-se no papel dele, transformar-se em leitor de seu texto, calculando quais seriam os dados necessários para que o leitor fizesse o movimento intelectual que deseja que ele faça.
Concretude: é a qualidade que consiste em determinar para o leitor os significados com os quais se quer que ele dialogue, e a atitude necessária ao autor que quer incorporá-la ao seu texto é justamente o ânimo de produzir significado em vez de lidar com as palavras como se nada mais fosse possível acrescentar ao que parece que todo mundo pensa que elas querem dizer. Se entendermos que o sentido é sempre resultante de uma negociação entre texto e leitor, a qualidade da concretude faz com que o autor do texto participe dessa negociação, não deixando que se transforme em caridade aquela cooperação que o leitor exercita em relação ao texto que não se expressa com clareza. Na verdade, quando o leitor diz do texto confuso, vago, impreciso, sem objetividade e sem concretude que lê: é, mas dá pra entender..., esse leitor está dizendo que o texto está péssimo, pois só fazendo um grande esforço dá para atribuir algum sentido a isto aqui.
Questionamento: procura apresentar um conflito ao leitor. Deixemos o leitor curioso. Mesmo que não se apresente a resposta para a questão, deve-se equacioná-la, isto é, apresentá-la como tal ao leitor. Deve-se tornar o texto interessante para quem lê.
GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

12 agosto 2010

AULA 1 - Preparando o texto de Apresentação Pessoal

Dada a largada, vamos começar a escrita de nossos textos. Eles serão pautados por algumas características (qualidades discursivas), que também serão levadas em conta na hora em que você comentar o texto do colega.
Lembre-se de que:
- seu texto será escrito para o grupo, e analisado por ele;
- seu texto será reescrito, em função das críticas recebidas.
Estamos nos baseando no livro Da redação escolar ao texto, de Paulo Guedes, para montar o roteiro de escrita de textos.
No mais, bom trabalho! Que a dinâmica seja produtiva!
Boas vindas aos calouros do CALP!

helena


As qualidades discursivas
As qualidades discursivas foram postuladas para servirem de instrumentos de denúncia da falsificação perpetrada pela redação escolar, pois por sua deliberada busca se encaminha a desconstrução das qualidades formais exteriores que a caracterizam. Unidade temática, objetividade, concretude e questionamento encaminham o exercício do discurso entendido como colocação em funcionamento de recursos expressivos de uma língua com uma certa finalidade
Texto de apresentação pessoal
No texto de apresentação pessoal, que você irá apresentar na próxima semana, leve em conta:
Para não iniciar com um chavão do tipo conhece-te a ti mesmo, para então partir para o conhecimento do mundo lá fora, podemos retomar a ideia inicial de que todos os leitores querem ver o autor através do texto que ele escreve e de que o autor quer ver a si mesmo engrandecido pelos olhos desse leitor. Juntemos a ideia – já quase um chavão também – de que passamos a vida toda aprendendo a respeito de tudo, inclusive de nós mesmos. Por fim, acrescentemos uma outra unanimidade: conhecer-se é muito bom e útil.
Daí que apresentar-se por escrito é uma atividade que resgata, entre outras coisas, uma função para aquele pronome se colado ao verbo. Apresentar-se para um leitor é também apresentar-se para si mesmo, aprofundar o conhecimento do que se sabe e do que a gente se julga ser, até porque o motivo que nos leva a passar a vida inteira aprendendo a nosso respeito é o fato de que sempre podemos ser mais do que somos, porque somos uma pessoa diferente para cada uma das pessoas com quem nos relacionamos. Ou seja: somos tão infinitos quanto o universo, o mundo lá fora, e tanto maiores nos descobriremos quanto mais soubermos de nós mesmos.
Por outro lado, está mais do que claro para nós que somos como as outras pessoas são. Frequentemente até queremos ser como as outras pessoas são, pertencer a um grupo, agir como agem os membros desse grupo, falar como eles falam. Às vezes até queremos ser iguais a uma determinada pessoa, mas, mesmo nessa circunstância, ao mesmo tempo, sabemo-nos diferentes e, mais do que isso, queremo-nos diferentes. E levamos nossa vida transmitindo mensagens que tanto dizem vê bem como nós somos parecidos, como temos coisas em comum, como dizem, ao mesmo tempo, eu não sou como vocês, que eu não me presto pra isso.
Um texto de apresentação pessoal tem a utilidade, do ponto de vista de quem o escreve, de fixar a auto-imagem momentânea, que pode funcionar como ponto de partida de um maior autoconhecimento. A reação dos leitores geralmente deflagra esse processo transformando em dúvidas as certezas do autor sobre si mesmo. Podem, é claro, confirmar certezas, ou transformar dúvidas em certezas, e isto tudo é muito simples de entender, pois está na experiência de cada um de nós.
A questão é a seguinte: como pôr isso no papel? Como escrever um texto de apresentação pessoal que me apresente a mim mesmo, isto é, que me ensine algo a meu respeito e que permita a meus leitores verem algo deles mesmos – uma diferença ou uma semelhança – em mim? Não há fórmulas, é claro (e isso é um outro chavão), mas há alguns princípios que podem ser depreendidos do que já foi dito a respeito da questão.
Unidade temática: Trate apenas de um aspecto, seja ele uma dificuldade, uma paixão, uma birra, um desejo, um hábito, uma particularidade, um trajeto, uma característica identificadora, um único seja lá o que for, de preferência o mais importante do personagem-narrador que você vai compor para se representar diante dos seus leitores ou do cotidiano que você instituiu para esse personagem..
Concretude: Fale de coisas concretas, de coisas específicas, de particularidades, de diferenças, fale daquilo que torna seu personagem um ser único, mas mostre, por meio de fatos, ações, exemplos, pequenos relatos de situações ocorridas, como ele reage, como ele se relaciona com o mundo lá fora. Dê aos seus leitores condições de uma concreta identificação e de um concreto confronto com ele ou com sua atividade cotidiana.
Questionamento: Trate de um problema, de um conflito, equacione-o, encaminhe-o, proponha uma solução, se tiver uma, mas uma solução útil, ao alcance da mão, executável agora mesmo. De nada adianta dizer que todos os homens deveriam dar-se as mãos para que o mundo fosse melhor. Propostas desse tipo já se revelaram inviáveis milhares de vezes. Se não tiver uma, organize uma maneira original de encaminhar uma reflexão interessante a respeito dela.
Só vai ser útil pro leitor aquilo que for útil pro autor. Lembre-se que nossos conflitos começam pela peculiar relação que temos com a natureza deste planeta, uma relação de trabalho, de transformação... Passam, a seguir, nossos conflitos pela relação forte que temos com nossos semelhantes, a partir de nossas afinidades e contradições de interesses. Costumam chegar até nossas questões conosco mesmos, divergências entre corpo e alma, entre amor e ódio, vocação e necessidade, vontade e medo, etc.
Objetividade: Trate-se como um de seus personagens, como uma criação sua: procure ver-se de fora. Lembre-se: apresentar-se é também descobrir-se. Não fale apenas do que está aparente ou já comprovado; lance hipóteses, projeções, previsões a respeito desse personagem; faça planos para ele. Afinal, ele não nasceu pronto e pode ser projetado, transformado naquilo que você quer que ele seja. Você, certamente, se acha capaz de sonhar, planejar, projetar e executar seu caminho. Daí apresente a seu leitor todos os dados necessários para que ele componha um quadro completo desse personagem e possa estabelecer um diálogo com ele. Você verá que seu primeiro e entusiasmado leitor será você mesmo, travando com seu texto um diálogo de reconhecimento e descoberta. Isso também vale para o seu cotidiano: o que ele revela para você mesmo e para seus leitores por trás da aparência da rotina?

Retirado/adaptado de: GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação escolar ao texto: um manual de redação. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

Começando!

Caro participante do CALP,
Está dada a largada para uma grande oficina de produção de textos. É hora de trabalhar com afinco, com ânimo e com disposição!
Fique atento às datas de entrega das versões dos textos (sim, porque será sempre mais de uma!). Organize-se de acordo com a sequência de escrita e organize seu tempo, para não acumular tarefas. Serão necessárias aproximadamente 2 horas semanais, extraclasse, para que você redija o texto da semana e corrija o texto anterior.
Então, força! Será um semestre bastante produtivo!

helena

09 agosto 2010

Preparando o ânimo!

CALP - Produção de textos/2º semestre 2010

Durante este semestre, você irá escrever muitos textos, cada um com um enfoque diferente. Em comum, eles mostrarão quem você é, por meio de suas palavras.
Você terá oportunidade de ‘perder o medo’, se é daqueles que gosta de escrever, mas teme as críticas. Se escreve por necessidade, por dever, poderá aprimorar sua escrita através das dinâmicas que serão realizadas. Sempre com muito gosto.

Bem vindo ao CALP 2º semestre/2010!

23 junho 2010

AULA 11 - Leitura de Texto Literário

Patrícia Melo

Clarice Lispector
Alguns autores consideram os anos 40 do século passado como a passagem do que se convencionou chamar Modernismo para a literatura contemporânea. Dessa forma, essa nomenclatura inclui nomes de romancistas como Clarice Lispector e Guimarães Rosa, poetas como João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar, além de contistas como Dalton Trevisan ou Moacyr Scliar. Outros autores incluem no período chamado Pós-Modernismo alguns dos nomes citados, reservando o termo contemporâneo à produção literária a partir da década de 50, com o movimento da poesia concreta.


Estudo comparativo
Este estudo quer comparar as personagens centrais de A hora da estrela, de Clarice, e O matador, de Patrícia.
 
Macabéa - A hora da estrela - é uma mulher forjada pelo esmagador processo de urbanização pelo qual passa o homem moderno. A personagem, ao mesmo tempo em que reflete a sociedade em que está inserida, é antítese dela, pois não a compreende e é marginalizada pelo sistema.


 
 
 
 
 
 
 
 
Máiquel - O matador - é um homem que ganha a vida matando por dinheiro, excluído, sem moral. É normal, comum, apagado. Um exemplar da massa, que não se destaca.


 
 
 
 
Leia os trechos abaixo:
“Eu não podia ficar ali nem mais um segundo, onde é o banheiro, doutor Carvalho? Mal fechei a porta e já comecei a vomitar. Vomitei todo o frango com creme de leite, as batatas, todo o vinho, o abacaxi tropical, tudo. Vomitei tudo. Vomitei pensando no dinheiro que eu ia ganhar se matasse o negro. Eu estava desempregado. Pragas. Eu estava sem dinheiro nenhum, eu precisava daquele dinheiro. Negros. Vomitei pensando no que eu poderia comprar com aquele dinheiro. Sapatos. Vomitei tudo. Carne. Lavei o rosto, eles estavam na sala, esperando a minha resposta. Sim ou não. Comida. Automóvel. Relógio. Cobertor. Sentei no vaso e fiquei pensando. Lembrei do pai do Robinson dando uma bronca na minha tia por causa do almoço, eu não nasci pra cozinhar, ela respondeu. Eu também não nasci pra vender pipoca, ele disse. Nasci pra ser presidente do Brasil. Mas enquanto isso não acontece, eu trato de vender pipoca direitinho. Vender pipoca direitinho, pensei. Ou vender ração para animais. Ou vender carros usados. Ou cuidar da portaria de um prédio. Ou levantar paredes. Os trabalhos seriam estes, eu teria que fazer algum. Sim ou não.” (O matador, p. 64)
 

“Macabéa gostava de filme de terror ou de musicais. Tinha predileção por mulher enforcada ou que levava um tiro no coração. Não sabia que ela própria era uma suicida embora nunca lhe tivesse ocorrido se matar. É que a vida lhe era tão insossa que nem pão velho sem manteiga. [...] E como já foi dito ou não foi dito Macabéa tinha ovários murchos como um cogumelo cozido. Ah pudesse eu pegar Macabéa, dar-lhe um bom banho, um prato de sopa quente, um beijo na testa enquanto a cobria com um cobertor. E fazer que quando ela acordasse encontrasse simplesmente o grande luxo de viver.” (A hora da estrela, p.58-59)


Estabeleça as diferenças de linguagem entre os dois trechos e as características que compõem cada personagem.

13 maio 2010

AULA 10 - Leitura de miniconto

A vaguidão específica
(Millôr Fernandes)


"As mulheres têm uma maneira de falar que eu chamo de vago-específica." (Richard Gehman)

– Maria, ponha isso lá fora em qualquer parte.
– Junto com as outras?
– Não ponha junto com as outras, não. Senão pode vir alguém e querer fazer coisa com elas. Ponha no lugar do outro dia.
– Sim senhora. Olha, o homem está aí.
– Aquele de quando choveu?
– Não, o que a senhora foi lá e falou com ele no domingo.
– Que é que você disse a ele?
– Eu disse pra ele continuar.
– Ele já começou?
– Acho que já. Eu disse que podia principiar por onde quisesse.
– É bom?
– Mais ou menos. O outro parece mais capaz.
– Você trouxe tudo pra cima?
– Não senhora,só trouxe as coisas. O resto não trouxe porque a senhora recomendou para deixar até a véspera.
– Mas traga, traga. Na ocasião nós descemos tudo de novo. É melhor, senão atravanca a entrada e ele reclama como na outra noite.
– Está bem, vou ver como.

***

1. Procure identificar, por marcas textuais, os enunciadores do texto. Como eles são referenciados? Que papéis ocupam?
2. O nível de linguagem indica que tipo de relação entre as personagens?
3. Que palavras ou expressões são entendidas apenas pelas personagens?
4. Autor e leitor também constituem-se como enunciadores desse texto. Que sentido o título estabelece para o entendimento do texto?

DESAFIO: Usando a mesma estrutura do texto de Millôr, redija um texto em que as palavras vagas sejam preenchidas, completando o sentido. O tema pode ser escolhido por você. Vamos tentar?

AULA 9 - Leitura de filme

Assistimos nesta aula a um filme chamado Bala Perdida. Como sua narrativa é contada de vários pontos de vista, analisamos a importância do conhecimento prévio para a construção do sentido. Conhecer os fatos narrados anteriormente, e em todas as cenas, nos possibilita construir sentidos, testar hipóteses...

Escreva um comentário sobre o filme e compartilhe com a turma!

06 maio 2010

AULA 8 - LEITURA DE LETRAS DE MÚSICA



Titãs e Chico Buarque inspiram as atividades desta aula. Mais de uma década separa a criação de "Cotidiano" e "Comida". Dois textos, com uma mensagem que ainda tem muito a dizer. Vamos ler atentamente cada um deles?


05 maio 2010

AULA 7 - Ainda as placas

As atividades desta aula foram assumidas pelo monitor Luis Hernandes. Continua a análise de placas, faixas e cartazes: suas intenções, sua adequação e a pertinência em serem considerados "ridículos".

15 abril 2010

AULA 6 - LEITURA DE PLACAS E CARTAZES


O objetivo desta aula é discutir os possíveis sentidos advindos da leitura de placas, cartazes, avisos, fachadas (placas ridículas) que encontramos pelas ruas em nosso cotidiano. São textos curtos, redigidos por autores às vezes despreparados para o manejo da escrita. Esses textos são lidos fora do sentido pretendido pelos autores e relidos como 'ridículos'. Ora, mesmo que soem engraçados, o que está por trás desse humor é um sério despreparo do autor e um grave desconhecimento não só da norma culta da língua, mas do sistema linguístico como um todo.

Algumas perguntas precisam ser respondidas se quisermos elaborar uma análise mais cuidadosa desse tipo de texto.

São elas:
1. O texto é uma placa? Um cartaz? Um aviso? A primeira atitude é identificar o GÊNERO TEXTUAL,
2. Esse texto foi retirado de um blog chamado ‘Placas Ridículas’. Você o considera apropriado para esse tipo de leitura? O texto é realmente ‘ridículo’? Por quê?
3. A seu ver, qual o principal problema do texto (linguagem, ortografia, adequação vocabular...)?
4. Como você, leitor, desenha o emissor/autor desse texto? Procure descrever suas características a partir do enunciado e de seu propósito.
5. Qual a intenção desse emissor? Você acredita no seu sucesso, com base no texto em análise?
6. Dialogue com o texto. Escreva uma frase em ‘resposta’ ao que foi dito. Depois (por curiosidade! Não há certo nem errado!), compare seu comentário com o que foi escrito pelo autor do blog. Esse exercício permite visualizar níveis diferentes de leitura!



Ao inserir seu comentário, indique a placa a que você se refere. Caso ela não esteja aqui, providenciarei a inclusão. Bom trabalho!
As perguntas podem ser respondidas emm forma de um texto único.

25 março 2010

AULA 5 - LEITURA DE POEMAS

O ferrageiro de Carmona


Um ferrageiro de Carmona,
que me informava de um balcão:
"Aquilo? É de ferro fundido,
foi a forma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta
é só derramá-lo na forma.
Não há nele a queda de braço
e o cara a cara de uma forja.

Existe a grande diferença
do ferro forjado ao fundido:
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda, em Sevilha?
De certo subiu lá em cima.
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de forma,
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
Ao senhor que dizem ser poeta:
O ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarréia.

Forrjar: domar o ferro à força,
Não até uma flor já sabida,
Mas ao que pode até ser flor
Se flor parece a quem o diga.”

MELO, João Cabral de. Crime na calle Relator. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1087. p.31-32.

Questões
1. Quem fala no poema? A quem ele se dirige? Que marcas linguísticas permitem afirmar isso?

2. De que trata o poema, num primeiro plano de leitura? Indique palavras que comprovem essa leitura.
3. A figura ajudou a estabelecer sentido para o poema? Se sim, de que forma?
4. Que termos não se encaixam nessa leitura (desencadeadores) e podem levar a um segundo plano de leitura?
5. Como se caracterizam a imitação e a criação em CADA plano de leitura?

Paisagens com cupim


No canavial tudo se gasta
pelo miolo, não pela casca.
Nada ali se gasta de fora.
qual coisa que em coisa se choca.

Tudo se gasta mas de dentro:
o cupim entra os poros, lento,
e por mil túneis, mil canais,
as coisas desfia e desfaz.

Por fora o manchado reboco
vai-se afrouxando, mais poroso,
enquanto desfaz-se, intestina,
o que era parede, em farinha.

E se não se gasta com choques,
mas de dentro, tampouco explode.
Tudo ali sofre a morte mansa
Do que não quebra, se desmancha.

MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas (1940-1965). 3.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1979. p.149.

Questões
1. Que palavras indicam oposição semântica: exterioridade X interioridade?
2. Que palavras indicam a oposição sentido X ruído?
3. Qual o tema do poema?
4. Quais as palavras desencadeadoras de leitura em outro plano?
5. Levando em conta a possibilidade de várias leituras, a corrosão (desgaste) pode ser lida no plano físico, histórico e humano. Explique.

Atividade baseada em: PLATÃO & FIORIN. Para entender o texto: leitura e redação. 16.ed. São Paulo: Ática, 2003. p.104-107.

18 março 2010

AULA 4 - LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS

 Texto para leitura:
Vide Bula


Há cerca de 10 anos publiquei este artigo no Jornal de Cajuru, num momento especial para o país, quando o esquema colorido havia sido desmantelado, e havia grandes expectativas quanto ao futuro político do Brasil.
Hoje aproveito para republicá-lo, como prévia para o Vide Bula II, que certamente trará novos medicamentos, para quem sabe, desta vez, curar o paciente. Uma coisa é certa: este já não está mais na UTI. Concordam?
O Brasil está doente. Êta frasezinha batida! Todo mundo está cansado de saber disso. O diabo é: qual remédio?
Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém até agora nenhuma teve o tão almejado efeito de curar este pobre enfermo.
Há bem pouco tempo foi tentada uma droga novíssima, quase não testada, mas que prometia sucesso total, a "Collorcaína", que, infelizmente, na prática de nada serviu, seus efeitos colaterais extremamente deletérios (como a liberação da "Pecelidona") quase acaba com o doente.
Porém, para o ano que vem, novos medicamentos poderão ser usados. Enquanto isso não acontece, o doente consegue se manter com doses de "Itamarina" que é uma espécie de emplastro que, se não cura, também não mata.
Mas, voltando ao ano que vem, se é que podemos voltar ao futuro, vamos estudar os possíveis medicamentos que teremos à disposição do moribundo.
A primeira droga a ser discutida já é uma antiga que estava em desuso e voltou com nova embalagem e novas indicações, podendo ser eficaz no momento.
Trata-se da "Paumalufina'', extraída do pau-brasil com a propriedade de promover perda das gorduras, principalmente estatais, acentuando a livre iniciativa. Tem como efeito colateral a crise aguda de autoritarismo e também de perdularismo, sendo contra-indicada para as democracias.
A segunda droga, também já testada, é derivada da "Pemedebona", a “Orestequercina", que atua em praticamente todos os órgãos, que passam a funcionar somente às custas da "Desoxidopropinainterferase", que promove desempenho muito mais fisiológico.
Esta droga tem como efeito colateral uma grande depleção das reservas, depleção esfa que pode ser fatal ao organismo.
Mais recentemente foi criada a "L.A. Fleurizina". Derivada da "Orestequercina", de maneira muito semelhante à mesma, sendo, entretanto, muitomais contundente e agressiva. É formalmente contra-indicada paraCarandirus e professores.
A terceira droga do nosso tratado é uma ainda não testada, mas já com fama de eficiência. Trata-se do "Cloridrato de Lulalá", derivada da "Estrelapetina", e, como efeito, promete revitalizar as células periféricas, tornando-as tão importantes quanto as do SNC (Sistema Nervoso Central).
É importante lembrar que a mesma pode causar imobilismo com liberação de seitas e dissidências. Tais efeitos colaterais podem ser evitados com injeção na veia de "antisectarina" e cápsulas de "Bonsensol".
Ainda é bom lembrar que o uso de tal substância provoca uma cor avermelhada em todos os órgãos.
A quarta droga que discutiremos é a "Tucanina Cacicóide", na verdade, um complexo de inúmeros componentes, como a "F.H.Cardozina", a "Zesserrinitrina", a "Mariocovase" e muitas outras mais que são muito eficientes "In Vitro", porém sem comprovação de efeito "In Vivo".
Seu maior efeito colateral é a interação de seus componentes que competem entre si, causando uma síndrome chamada "encimamurismo", síndrome esta extremamente deletéria e que pode invibializar o uso de tal medicamento.
Existem ainda drogas menores como a "Brizolonina" que, quando aplicada, provoca intensa verborragia e manias perseguitórias.
Há ainda a A.C. Malvadezina, uma droga extremamente tóxica que causa náuseas até em quem aplica.
Terminando nosso estudo, esperamos que, desta vez, os médicos saibam o remédio certo para salvar o doente.
Autor: Luiz Fernando Elias é cardiologista e, nas horas vagas, cronista. In: KOCH; ELIAS, 2006, p. 25-6.
 
Fatores de compreensão da leitura:
Autor/leitor: “conhecimento de elementos lingüísticos, esquemas cognitivos, bagagem cultural, circunstâncias em que o texto foi produzido” podem alterar a compreensão do texto.
Texto: fatores materiais, linguísticos ou de conteúdo alteram a legibilidade do texto. Aspectos materiais: tamanho das letras, clareza, cor do papel, fonte... Fatores linguísticos: estruturas sintáticas complexas, ausência ou uso inadequado de sinais de pontuação... Conteúdo: expressões desconhecidas, textos técnicos...


Objetivos de leitura:
A interação entre o conteúdo do texto e o leitor é regulada pela intenção com que lemos o texto: é diferente ler bula de remédio, romance, tese, outdoor...

Gênero textual: é através do gênero que atribuímos sentido e compreendemos o texto.

Pluralidade de leituras e sentidos
“Considerar o leitor e seus conhecimentos e que esses conhecimentos são diferentes de um leitor para outro implica aceitar uma pluralidade de leituras e sentidos em relação a um mesmo texto.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 21)

O leitor deve “ativar” seu conhecimento e perceber as sinalizações do texto para produzir sentido.

Escrita e leitura: contexto de produção e contexto de uso:
Circunstâncias de leitura diferentes de circunstâncias de produção


Texto e leitura:
O autor, então, dialoga com o texto, fazendo emergir seus esquemas, seu conhecimento de mundo, seu modelo cognitivo. Esse esquema pode ser confirmado ou não no decorrer da leitura.


Conclusão
“Se como vimos, a leitura é uma atividade de construção de sentido que pressupõe a interação autor-texto-leitor, é preciso considerar que, nessa atividade, além das pistas e sinalizações que o texto oferece, entram em jogo os conhecimentos do leitor.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 37)

11 março 2010

AULA 3 - ANÁLISE DE TEXTOS VERBAIS E NÃO VERBAIS

Este encontro é destinado à análise de alguns textos. Vamos, pela prática, nos valer dos conhecimentos adquiridos nas duas últimas aulas e procurar entender como se processa(m) o(s) sentido(s).

As charges de Adão, Eva e Deus podem ser encontradas em: http://www.umsabadoqualquer.com/.

Os demais textos foram enviados pelo email.

A participação em sala está ótima. Registrem abaixo mais comentários!

04 março 2010

AULA 2 - LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO

A interação autor-texto-leitor
Leitura é atividade de produção de sentido. O leitor faz um trabalho ativo de compreensão e interpretação a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. (PCN LP)

Análise das condições de recepção (leitura) do texto/vídeo Campanha Carnaval 2010. Recriamos a instância de enunciação desse texto e analisamos o perfil dos sujeitos receptores: múltiplas leituras.

Estratégias de leitura
Para construir sentido, o leitor se vale de estratégias: seleção, antecipação, inferência e verificação. Para dar sentido ao que lê, o leitor precisa processar, criticar, contradizer ou avaliar a informação que tem diante de si.


Texto para leitura (em partes, discutindo as estratégias): O retorno do Patinho Feio
Autor: Marcelo Coelho
Meio de veiculação do texto: Folha de S.Paulo
Gênero textual: miniconto
Título: orienta para a produção de sentido.

1. Alfonso era o mais belo cisne do lago Príncipe de Astúrias. Todos os dias, ele contemplava sua imagem refletida nas águas daquele chiquérrimo e exclusivo condomínio para aves milionárias. Mas Alfonso não se esquecia de sua origem humilde.

- Pensar que, não faz muito tempo, eu era conhecido como o Patinho Feio...
Um dia, ele sentiu saudades da mãe, dos irmãos e dos amiguinhos da escola.
2. Voou até a lagoa do Quaquenhá. O pequeno e barrento local de sua infância.

A pata Quitéria conversava com as amigas chocando sua quadragésima ninhada. Alfonso abriu suas largas asas brancas.
- Mamãe! Mamãe! Você se lembra de mim?
3. Quitéria levantou-se muito espantada.

- Se-se-senhor cisne... quanta honra... mas creio que o senhor se confunde...
- Mamãe...?
- Como poderia eu ser mãe de tão nobre e belo animal?
Não adiantou explicar. Dona Quitéria balançava a cabeça.
- Esse cisne é mesmo lindo... mas doido de pedra, coitado...
4. Alfonso foi então procurar a Bianca. Uma patinha linda do pré-primário. Que vivia chamando Alfonso de feio.

- Lembra de mim, Bianca? Gostaria de namorar comigo agora? He, he, he.
5. - Deus me livre! Está louco? Uma pata namorando um cisne! Aberração da natureza...

6. Alfonso respirou fundo. Nada mais fazia sentido por ali. Resolveu procurar um famoso bruxo da região.

7. Com alguns passes mágicos, o feiticeiro e astrólogo Omar Rhekko resolveu o problema. Em poucos dias, Alfonso transformou-se num pato adulto. Gorducho e bastante sem graça. Dona Quitéria capricha fazendo lasanhas para ele.

- Cuidado para não engordar demais, filhinho.
Bianca faz um cafuné na cabeça de Alfonso.
- Gordo... pescoçudo... bicudo... Mas sabe que eu acho você uma gracinha?
Viveram felizes para sempre.
 
Aqueles que quiserem poderão se aventurar em uma análise sociológica do texto... Que tal escrever e postar no blog?

25 fevereiro 2010

AULA 1 - LEITURA, TEXTO E SENTIDO

Concepção de leitura
O que é ler?
Para que ler?
Como ler?

Foco no autor
Língua = representação do pensamento

Sujeito = individual, dono de suas ações

Texto = produto do pensamento do autor - >  Leitura = atividade de captação de ideias do autor

Foco no texto
Língua = estrutura, ferramenta, código

Sujeito = determinado, “assujeitado”

Texto = produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte (que conhece o código) - > Leitura = atividade de decodificar o texto

Foco na interação autor-texto-leitor
Língua = lugar de interação

Sujeito = ator/construtor social (se constrói e é construído no texto)

Texto = lugar aberto, onde há implícitos detectáveis pelo contexto -> Leitura = atividade interativa complexa de produção de sentidos

Fonte: KOCH, Ingedore; ELIAS, Vanda. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2006.

INTRODUÇÃO

Começamos, neste 25 de fevereiro, uma nova etapa do CALP (Curso Avançado de Língua Portuguesa). Sejam bem-vindos a este grupo de estudos, espaço de discussões sobre a nossa língua.
O tema do semestre é LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO. Vamos procurar entender o que é a leitura, que mecanismos ativamos na compreensão de textos, que gêneros textuais estamos lendo... Além disso, trataremos de coerência, coesão, intertextualidade e leremos muito, muito!
Você está convidado a participar desse grupo, a trazer suas ideias, suas leituras!
Grande abraço,
helena